Otávio Goulart Minatto*
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada.
Introdução
O seguinte trabalho procura fazer uma análise sobre todos os aspectos do Estado Constitucional Ecológico. ando por sua sistematização, através das várias perspectivas e concepções existentes, e indo até aos problemas que enfrenta, busca-se definir todas as facetas presentes. Muito mais do que apenas averiguar sua existência, a função do trabalho é elucidar a forma a qual é concebido tais conceitos e demonstrar a necessidade em se firmar o conceito de Estado Constitucional Ecológico.
1º. As razões de um título
Este trabalho propõe analisar todas as dimensões jurídicas daquilo que é teoricamente denominado como: Estado Constitucional Ecológico. Essas dimensões norteiam-se em duas premissas, as quais são: o Estado de Direito democrático social deve ser regido, além de tantos outros tipos de princípios, por princípios ecológicos; o modo o qual esses princípios são aferidos na política e na democracia em si.
O grande entrave do Direito ecológico é o modo de que se dá a sua efetiva positivação. Ela não é feita de modo concreto, pois ainda persiste a discussão se o aspecto ecológico deve figurar como base do Estado, ou se não a de um direito subjetivo fundamental. Existe uma corrente que não só afirma que o direito ecológico é um dos pilares da constituição como defende uma mudança radical de paradigma, para que tal ponto seja esclarecido. É a corrente do deep ecology.
A idéia do Estado Constitucional Ecológico é uma que vem ganhando muito espaço ultimamente. Isto se deve ao fato de que a preocupação com o direito das futuras gerações aumentou imensamente. Porém isso não foi suficiente para resolver todos os problemas que o paradigma apresenta. Os resultados práticos de algumas discussões do jus-ecológico são ínfimos, bem como outros apresentam dificuldades na hora de se firmar no campo teórico. A reflexão sobre o Estado Constitucional no Estado Ambiente-Mundial apresenta-se como sendo, sobretudo, um modo para se superar tais problemas.
2º. Os olhares do jurista: as “diferenças” e partilhas na compreensão dos problemas do direito do ambiente
Observa-se que para a resolução de questões que envolvem o direito ambiental, há vários meios para se construir um paradigma de resolução. Esses paradigmas baseiam-se em postulados jurídico-analítico específicos. Tais postulados serão analisados, separadamente, a partir de agora.
1. O postulado globalista
O postulado globalista entende que o ambiente deve ser entendido na sua totalidade mundial, e não em blocos separados. Não é da competência dos Estados tratar dos problemas ambientais, cabendo tal tarefa ao plano internacional,
Os problemas visados pelo postulado globalista não são aqueles relativamente comuns, com incidência específica, mas aqueles considerados de segunda geração, como o problema da camada de ozônio, as mudanças climáticas e a biodiversidade.
Há, contudo, algumas lacunas em tal entendimento. A principal reside na dificuldade de se definir, com exatidão. Isto resulta da fatal de contornos rigorosos ao conteúdo normativo essencial.
2. A perspectiva individualista
Significa entender o direito ambiental pelo prisma de que existe um direito individual fundamental ao ambiente, que o defende através de direitos (sejam ações ou recursos) privatísticos, como o direito de propriedade, direito à integridade física, ações de vizinhança, etc. Ou seja, o ambiente seria de responsabilidade individual de cada um. O nosso sistema jurídico atual, apoiado na dicotomia jus-actio, utiliza-se dessa perspectiva, pois encara o processo como uma materialidade alicerçada individual, cabendo as ações populares ou coletivas apenas em casos excepcionais.
3. A perspectiva publicística
Essa é uma outra visão, aplicada na Itália, por exemplo, que vê o ambiente como sendo propriedade pública de uso comum e, por isso mesmo, deve ser contestada essencialmente através do poder público. Não cabe ao indivíduo defender o ambiente, pois a sua individualidade não é o sujeito desse direito.
4. A perspectiva associativa
Essa perspectiva assemelha-se da publicística na medida em que considera o ambiente como sendo um bem público de uso comum. Porém difere-se da perspectiva anterior quanto à subordinação deste unicamente ao poder público. Para a associativa, deve haver uma verdadeira democracia ecológica, regida tanto pelo público quanto pelo privado.
3º. Aproximação jurídico-constitucional ao Estado Ecológico
1. Concepção integrada ou integrativa do ambiente
Tal concepção afere-se à necessidade de entender o ambiente, e consequentemente sua proteção, na esfera global e não isoladamente em partículas, nos Estados. O ambiente a a ser a união dos fatores físicos e químicos com os econômicos, sociais e culturais.
Com isto, policiar os perigos ao meio ambiente torna-se uma medida incompleta, devendo haver um acompanhamento de todo o processo produtivo. Essa integratividade ambiental cria um entendimento multitemático, fazendo com que o impacto, bem como outros problemas, ambientais sejam vistos não só no plano público, mas também no privada e nas suas derivações. Essa concepção também provoca a necessidade de se compatibilizar os instrumentos imperativos com ao cooperativos, articulando as regras jurídicas aos princípios da legalidade.
2. Institucionalização dos deveres fundamentais ecológicos
Com o ar dos tempos, ocorreu uma distribuição da responsabilidade de manutenção do ambiente. O que antes era dever somente do setor público, hoje ou também para o privado. Assim, o cidadão se tornou responsável, também, pela preservação ambiental. Essa nova tarefa já foi positivada em vários documentos recentes, como a “Agenda
Essa nova tarefa baseia-se no paradigma de que o homem deve usufruir da natureza de modo a não prejudica-la para uso próprio e para o uso das gerações futuras. A institucionalização desse dever fundamenta-se em vários princípios do direito ambiental, como o da precaução e da ação preventiva, princípio da correção na fonte dos danos causados ao ambiente, princípio do poluidor-pagador, entre outros.
3. Mandado de injunção ecológico
É de conhecimento da jurisprudência de que muitas leis reguladoras do direito ambiental são falhas ou apresentam lacunas, comprometendo a sua aplicação. Tais falhas acarretam numa confusão do cidadão e também do poder público sobre os limites dos seus deveres para com o meio ambiente. Quando isso acontece, é dever do Estado ditar normas com a função de suprir tais dificuldades e, assim, aplicar corretamente a lei. Isso é o mandato de injunção ecológico
Enfrentamos, porém, um problema advindo dessa função. Formular um dever concreto, que garante a efetiva aplicação do direito, tem se mostrado um grande desafio. O processo para a sua formulação é ainda uma grande dúvida. Surgem, em decorrência disto, problemas futuros em relação a este direito, como a identificação de quem esta habilitado para contestar o direito perante tribunal e como tal manifestação deve ser feita. Essa omissão do Estado tem causado verdadeira ameaça ao ambiente, pois a não regulação normativa abre espaço para a agressão irreparável.
O mandato de injunção ecológico tem como função articular a regulação normativa com a concepção integrativa do ambiente. Fruto disto é a garantia de um nível de proteção ambiental adequado, suficiente para eliminar a insegurança ecológica.
4. O agir integrativo da istração
A integração da istração do ambiente nada mais é que a participação e comunicação do cidadão (esfera privada) junto com os, já existente, agentes públicos. É a abertura para que os cidadãos ajudem também na tarefa de proteger e preservar o ambiente. Esse entendimento vem crescendo muito e é prova disto uma série de leis portuguesas criadas, as quais consagram os princípios de participação e consulta do particular na dimensão pública.
4º. Tensões e conflitos do Estado Constitucional Ecológico
Os conflitos em relação ao Estado Constitucional Ecológico surgem na necessidade que há de firmar os preceitos e os deveres para que o ambiente seja efetivamente protegido. Como nem sempre é possível conciliar essa tarefa com o modelo jurídico-institucional já imposto na sociedade, surgem conflitos de interesses. A seguir serão analisados alguns desses conflitos.
1. A criação de “redes naturais”
Esse é, talvez, o conflito mais clássico entre o direito ambiental e o direito civil. Usaremos como exemplo o projeto da Rede Natura 2000, implantado na rede européia o qual ditava a criação de sítios, zonas especiais de conservação e zonas de proteção especial ambiental. Surge então, o problema de essas áreas conflitarem com o direito de propriedade das pessoas que ali se encontram e que não dispõem de instrumentos necessários para preservar o ambiente que os circunda. Retirar-los ou não é uma decisão que ainda não possui consenso, sendo que cada caso semelhante apresenta uma solução diferente, conforme suas especificidades.
2. Estado Constitucional Ecológico e princípio da responsabilidade
Esse problema é decorrente das próprias lacunas do direito ambiental. Não há, ainda, um exato sistema de responsabilização pelos danos ambientais causados. Isso gera uma grande dúvida na hora de encontrar e punir o agressor ambiental. Veremos, agora, os principais modelos de responsabilização existentes.
Modelo I – Considera o ambiente como bem autônomo e imputa a responsabilidade pelos danos provocados por condutas ilícitas.
Modelo II – Há a tipicização dos bens, responsabilizando objetivamente todos os danos causados à saúde ou integridade das pessoas e outros seres em decorrência de emissões ambientalmente lesivas.
Modelo III – O ambiente é a base de proteção. Não há a tipicização do bem.
Fica clara aqui a necessidade de haver um ressarcimento pelos danos ambientais provocados. Devido a isso, surge a também a necessidade de tipicizar os danos para que haja um ressarcimento correspondente. Atualmente dividem-se os crimes ambientais em dois flancos: o primeiro é o dano à biodiversidade e o segundo são os danos originados de contaminação de sítios.
A discussão sobre a responsabilidade pelos danos morais não é o objetivo do trabalho e, por isso, não será delongada.
Há dois pontos, no entanto, decorrente dessa discussão que merecem destaque, pois são essenciais para a efetivação do Estado Constitucional Ecológico. O primeiro ponto é a necessidade de se responsabilizar objetivamente aquele que causa dano ao ambiente por atitude comprovadamente perigosa. O outro ponto é que a crucialidade de definir os operadores responsáveis pelo controle da responsabilidade dos agentes causadores de danos ambientais.
O Estado Constitucional Ecológico, pressuposto de democracia sustentada, acaba sofrendo do problema de averiguar quem são os legítimos para a reparação e para a defesa do meio ambiente e como tais efetuarão tal tarefa. Um o rumo a solução é a dinamização de ações com o objetivo de garantir a reparação dos danos ao meio ambiente utilizando-se das verbas indenizatórias. Outra atitude que ajudaria nessa missão seria a abertura aos cidadãos do poder de defender o ambiente, subsidiariamente ao Estado, é claro.
Conclusão
Através do trabalho foi possível averiguar a necessidade de se firmar os conceitos referentes ao Estado Constitucional Ecológico. Foi possível enxergar em que pontos sua aplicação é crucial e sobre quais perspectivas ele é trabalhado. A existência de problemas, bem como as plausíveis soluções foram alvo da análise do trabalho. Enfim, foi possível compreender como a questão do ambiente se inclui na discussão geral d Estado, como ela se acomoda no meio normativo e como sua existência é algo que cada vez mais clama por espaço no mundo globalizado.
*Acadêmico de Direito na UFSC.
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.